quinta-feira, 11 de fevereiro de 2010

A Primeira Iniciação

Você deve perceber que recebe da vida exatamente aquilo que ofereceu a ela. A

sua vida é o espelho daquilo que você é, ela é moldada à sua imagem. Você é
passivo. Cego e exigente. Você se apossa de tudo e a tudo aceita sem nunca
reconhecer uma obrigação. A sua atitude frente ao mundo e sua vida é daquele que
acha que tem o direito de exigir e de tomar o que quiser. Que não tem
necessidade nem de pagar nem de trabalhar por isso. Você acredita que todas as
coisas lhe são devidas, simplesmente porque você é o que é! Nada prende a sua
atenção. E é exatamente isto que, em você, separa um mundo de um outro mundo.

Você não tem uma medida para se comparar. Você vive unicamente segundo 'aquilo
que me agrada', ou 'aquilo que não me agrada', ou seja, isto quer dizer que você
aprecia a você mesmo, apenas. Você não reconhece ninguém ao seu lado -
teoricamente, poderá até ser assim, é lógico, mas na realidade não é verdade. É
devido a isso que você é exigente e continua a acreditar que todas as coisas lhe
são favoráveis e que possui em seu bolso algo com que pode conseguir tudo que
desejar. Você não reconhece ninguém senão você mesmo, nem ao seu lado. É devido
a isso que, repito, você não tem nenhum senso de medida e vive passivamente
segundo o seu próprio prazer.Sim, a 'sua apreciação de si próprio' o deixa completamente cego! Ela representa o maior obstáculo para uma vida nova. Devemos ser capazes de superar este
obstáculo, apenas este, antes der irmos mais além. Este é o teste que divide os
homens em duas séries: 'a erva daninha' e o 'bom grão'. Por mais inteligente,
dotado e brilhante que seja um homem, se ele não modificar a sua
auto-apreciação, ele terá perdido o seu poder de desenvolvimento interno para um
trabalho de conhecimento de si próprio, em que haja um verdadeiro vir a ser. Ele
permanecerá como é por toda a sua vida. A primeira solicitação, a primeira
condição, o primeiro teste para aquele que deseja trabalhar sobre si próprio é o
da modificação de nossa auto-apreciação. O homem não deve imaginar, ou
simplesmente crer ou pensar, mas ver coisas nele próprio que jamais havia visto
antes, e ver estas coisas realmente. Sua auto-apreciação jamais poderá
modificar-se ao ponto em que ele não veja nada nele próprio. E para poder ver,
temos de aprender a ver: esta é a primeira iniciação do homem em direção ao
conhecimento de si próprio.

Antes de tudo, um homem deve saber aquilo que deve ser visto. Uma vez que ele
saiba disto, então deve fazer esforços, manter a sua atenção, observar
constantemente, com tenacidade. Através do esforço em manter a sua atenção, de
não se esquecer em observar, um dia ele será capaz de ver. Se ele vir uma vez,
poderá ver uma segunda e se isto se repetir, ele não mais será capaz de não ver.
O objetivo da nossa observação é o próprio estado de observador, é desse estado
que irá nascer o verdadeiro desejo, o desejo irresistível de vir a ser; de frios
nos tornamos quentes, vibrantes, seremos tocados pela nossa realidade.
Atualmente não temos senão uma ilusão daquilo que somos. Nós nos estimamos
demais. Nós não nos respeitamos. Para que eu me respeite, deve haver dentro de
mim uma parte que eu reconheci como superior às demais e que, através de minha
atitude de respeito a ela eu dê testemunho do respeito que dedico a ela. Desta
maneira eu me respeitarei a mim próprio. E as minhas relações com as outras
pessoas serão regradas por este mesmo respeito.

Devemos compreender que todas as outras medidas, o talento, instrução, cultura,
genialidade, são medidas que se modificam, medidas de detalhes. A única medida
exata, que nunca muda, objetiva, a única que é real, é a medida da visão
interior. EU vejo - EU me vejo - com isto teremos a nossa medida. Com uma parte
superior, real, então poderemos medir uma outra parte nossa, inferior, ela
também real. E essa medida, definidora por si mesma do papel respectivo de uma e
outra partes, irá nos conduzir ao respeito a nós próprios.
Mas você deve saber que isto não é fácil de fazer. Isto não é uma pechincha.
Temos de pagar caro por isso. Para os maus pagadores, preguiçosos, os parasitas,
não tem esperança. Temos de pagar, pagar caro e pagar sempre, pagar em
adiantado. Pagar a partir de si próprio. Através dos esforços sinceros,
conscientes e desinteressados. Quanto mais estivermos dispostos a pagar sem
manipulações, sem truques, sem nenhuma falsificação, mais iremos receber. E é
daí que iremos reconhecer a nossa natureza.

Então você verá todas as brigas, todas as desavenças e desonestidades a que
recorre para não pagar com um dinheiro real. Porque você tem de pagar com todas
as suas teorias gratuitas, com as suas convicções enraizadas, com os seus
preconceitos, suas convenções, seus 'gosto ou não gosto'. Sem mercadejar,
honestamente, sem caretas. Tentando ver, sinceramente, aquilo que você usa como
moeda falsa.

Tente por um momento aceitar a idéia de que você não é aquilo que acredita ser,
que você se auto-estima demais e que mente para si mesmo. Que você mente a cada
instante, todo o dia, toda a sua vida. Que a mentira o governa a tal ponto que
você não consegue se controlar. Você é prisioneiro da mentira. Você mente em
todos os lugares e por tudo. As suas relações com as outras pessoas, uma
mentira. A educação que lhe deram, as convenções sociais, uma mentira. Seu
ensinamento, mentira. Suas teorias, sua arte, um logro. Sua vida social e sua
vida familiar, mentira. E aquilo que você pensa de si mesmo, mentira, mais uma
vez.
Mas você nunca pára para pensar no que faz ou no que fala, já que você acredita
em você mesmo. Devemos parar internamente e observar. Observar sem tomar
partido. Aceitando, por algum tempo, esta idéia da mentira, do engano. E se você
se observar desta maneira, pagando a partir de você próprio, sem se apiedar de
si próprio, oferecendo todas as suas pretensas riquezas em troca de um momento
de realidade, então poderá acontecer que, de repente, você possa ver em você
mesmo tudo aquilo que nunca havia visto até aquela hora. Você irá ver que é
outra coisa do que acreditava ser. Irá ver que você é duas pessoas. Aquela que
não é, mas que toma o lugar e o papel de outra. E aquela que é, mas tão frágil,
que desaparece imediatamente. Ela não suporta a mentira. O menor auto-engano a
faz desfalecer. Ela não luta, ela não resiste, e sempre é vencida de antemão.
Aprenda a considerar a diferença que você viu entre estas suas duas naturezas
até que você tenha identificado a mentira, a impostura dentro de você mesmo.
Depois que você viu as suas duas naturezas, neste dia, dentro de você a verdade
terá nascido.

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